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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Paraíso fiscal é isso


Como um empresário baiano conseguiu, em dez anos, subtrair 1 bilhão de reais dos cofres públicos sonegando impostos

Certos crimes chocam pela frieza com que são cometidos. Outros, pela futilidade que os motiva. Numa terceira categoria, estão os que espantam por sua escandalosa dimensão. É nessa última classificação que se encaixa o oceânico esquema de sonegação de impostos descoberto pela Polícia Federal (PF) em conjunto com a Receita Federal. Uma família de empresários da Bahia, acostumada a operar no ramo de compra e venda de produtos químicos, descobriu que, se já era rica, poderia ficar bilionária. Para isso, bastava fraudar o Fisco. E "bilionária", nesse caso, é um termo literal. Em dez anos, a família Cavalcanti embolsou 1 bilhão de reais que deveriam ter sido recolhidos em tributos federais, segundo a Receita. A PF estima que o grupo tenha desviado outro bilhão em impostos estaduais, devidos a várias unidades da federação. O golpe era operado a partir da presidência da Sasil, a quarta maior distribuidora de produtos petroquímicos da América Latina, com faturamento registrado de 300 milhões de dólares no ano passado. O mentor do esquema era Paulo Sérgio Cavalcanti, que atualmente toca a empresa sozinho. O irmão dele, Ismael, que ajudou a dirigir a Sasil até 2008, além de outros quatro parentes, também foi indiciado.

Graças ao trambique fiscal, os Cavalcanti se acostumaram a um padrão de vida luxuriante, como ficou claro no decorrer da operação policial. Na sequência das prisões, a Justiça determinou o confisco de uma ilha com 20000 metros quadrados, pertencentes à família. Batizada de Itaipuca, a ilha é um pequeno paraíso tropical. Vizinha à ilha dos Frades, fica na Baía de Todos-os-Santos, perto de Salvador. Da capital baiana até o porto seguro dos Cavalcanti, gastam-se quarenta minutos de lancha. Tem píer, heliponto, quadra poliesportiva e piscina. Está avaliada em 15 milhões de reais. Além dela, a PF apreendeu em poder dos Cavalcanti 2,5 quilos de barras de ouro, 40000 reais em dinheiro, oito jet skis. uma lancha e dezenas de carros. "Pedimos o confisco dos bens para que a União possa reaver o que foi sonegado", diz o delegado Marcelo Freitas, que coordenou a operação.

Trinta e uma pessoas tiveram a prisão temporária decretada, mas apenas 25 foram encontradas. Um dos que escaparam - até agora, pelo menos - foi justamente o chefe do esquema, o empresário Paulo Cavalcanti. Três dias antes de a operação ser deflagrada, ele havia embarcado para a Espanha, a trabalho. Seus advogados tentaram obter um habeas corpus na esperança de livrá-lo do vexame da prisão no aeroporto, mas até a noite de sexta-feira não haviam conseguido. Essa não é a primeira vez que o empresário se vê às voltas com a Justiça. Nos anos 90, ele vendeu a um produtor de cachaças artesanais uma série de embalagens plásticas. Uma delas estava contaminada com vestígios de metanol, substância altamente tóxica. Depois de consumir a bebida, dezesseis pessoas morreram e duas ficaram cegas. O episódio rendeu ao empresário o apelido de "Paulinbo Metanol", mas não lhe trouxe nenhuma condenação judicial.

Há cerca de dez anos, Paulo e seu irmão, Ismael, descobriram o lucrativo negócio da sonegação. Nada muito complicado (veja o quadro abaixo). Eles criaram uma rede de empresas-laranja, muitas com sede no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, e passaram a simular operações de compra e venda entre elas. O lucro ficava com a Sasil e os impostos sobravam para as empresas-laranja. Quando a dívida fiscal de alguma delas chegava a patamares muito altos, seus donos simplesmente deixavam que fosse à falência e abriam uma nova empresa, igualmente laranja, para substituí-la. É um tipo de fraude pedestre, e perfeitamente identificável. Surpreende que a Receita tenha levado uma década para descobri-la. A missão, agora, é recuperar os bilhões perdidos no período. Como nos crimes de corrupção, o dinheiro desviado poderia ter sido usado para construir escolas, estradas e postos de saúde. Sonegar não é diferente de roubar. E, em alguns casos, pode ser ainda mais chocante.


Veja - 22/08/2011

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