Trinta e seis anos atrás, em fevereiro de 1976, um jovem empreendedor americano chamado Bill Gates lançou uma carta aberta atacando aqueles que, então conhecidos como hobbistas de computador, copiavam o software de sua recém-fundada Micro-Soft (na época, ainda grafada com hífen). Para quem copiava, parecia natural que aquilo que era tecnicamente simples e barato – a cópia de bits – deveria ser permitido. Para Gates, não. Aqueles bits, dizia ele, eram resultado de trabalho criativo, que deveria ser remunerado como qualquer outra obra. "A maioria de vocês rouba o software", escreveu Gates aos hobbistas.
Desde então, a relação entre o mundo do computador e o da propriedade intelectual tem sido turbulenta. A turbulência só fez aumentar à medida que a pirataria digital se estendeu do software a todos os conteúdos hoje transmitidos na forma de bits – textos, imagens, sons e vídeos. Por meio da internet, a cópia deixou de ser uma atividade praticada apenas por garotos amadores e gerou negócios sustentados quase exclusivamente pelo trabalho alheio. A última tentativa de deter a cópia indiscriminada de conteúdo digital são duas leis conhecidas pelas siglas Sopa (Stop Online Piracy Act) e Pipa (Protect Intelectual Property Act). Depois de protestos vigorosos na internet, ambas ficaram empacadas no Congresso americano.
O espírito de ambas as leis deve ser aplaudido. Elas tentam deixar claro, antes de mais nada, que a cópia ilegal tem de ser punida. Pela primeira vez, atribuem responsabilidades claras àqueles sites que hospedam conteúdo pirata. Há a previsão de medidas punitivas extremas contra eles, como o bloqueio a servidores situados em países fora do alcance dos tratados de proteção à propriedade intelectual – ou a exclusão de links para esses servidores dos sites hospedados nos ambientes ao alcance da lei.
Os críticos do Sopa e do Pipa formam uma coalizão singular. Primeiro, são ideólogos e intelectuais que defendem o compartilhamento de arquivos como a alma da internet – e afirmam que as novas leis, ao reduzi-lo, contribuiriam para também diminuir a criatividade e a inovação associadas à rede. Segundo, são técnicos que afirmam ser inviável implementar boa parte dos dispositivos previstos nas leis, devido à própria arquitetura da internet. Finalmente, a coalizão também é integrada por empresas que teriam muito a perder caso tivessem de arcar com mais responsabilidades pelo conteúdo que trafega por seus sites – como Google, Twitter ou Facebook.
As críticas de fundo ideológico lembram a visão dos hobbistas dos tempos de Gates. Embora pareçam sedutoras, são ingênuas por ignorar que, sem incentivo para a produção de conteúdo original de qualidade, essa produção deixará de existir – e esse incentivo precisa incluir punições reais aos piratas. Parte das críticas de ordem técnica é pertinente, mas pode ser endereçada por meio de ne-gociações que estabeleçam punições tecnicamente viáveis.
Quanto à oposição das empresas do Vale do Silício, ela vem carregada de uma dose de cinismo. A indústria de software, como preconizava Gates, só se tornou pujante graças ao respeito à propriedade dos autores. As empresas digitais só investem bilhões em inovações porque têm certeza de que esses direitos serão respeitados. O mesmo deve valer para quem produz textos, sons, imagens ou ví-deos. Cabe aos autores, e a mais ninguém, decidir se seus conteúdos podem ser copiados livremente (muitas vezes, como mostra a própria indústria do software, isso pode até ser uma vantagem). Mas, com as leis empacadas no Congresso americano, quem continua hoje a ter essa prerrogativa, na prática, são os piratas.
Fonte : Revista Época - 30/01/2012
Desde então, a relação entre o mundo do computador e o da propriedade intelectual tem sido turbulenta. A turbulência só fez aumentar à medida que a pirataria digital se estendeu do software a todos os conteúdos hoje transmitidos na forma de bits – textos, imagens, sons e vídeos. Por meio da internet, a cópia deixou de ser uma atividade praticada apenas por garotos amadores e gerou negócios sustentados quase exclusivamente pelo trabalho alheio. A última tentativa de deter a cópia indiscriminada de conteúdo digital são duas leis conhecidas pelas siglas Sopa (Stop Online Piracy Act) e Pipa (Protect Intelectual Property Act). Depois de protestos vigorosos na internet, ambas ficaram empacadas no Congresso americano.
O espírito de ambas as leis deve ser aplaudido. Elas tentam deixar claro, antes de mais nada, que a cópia ilegal tem de ser punida. Pela primeira vez, atribuem responsabilidades claras àqueles sites que hospedam conteúdo pirata. Há a previsão de medidas punitivas extremas contra eles, como o bloqueio a servidores situados em países fora do alcance dos tratados de proteção à propriedade intelectual – ou a exclusão de links para esses servidores dos sites hospedados nos ambientes ao alcance da lei.
Os críticos do Sopa e do Pipa formam uma coalizão singular. Primeiro, são ideólogos e intelectuais que defendem o compartilhamento de arquivos como a alma da internet – e afirmam que as novas leis, ao reduzi-lo, contribuiriam para também diminuir a criatividade e a inovação associadas à rede. Segundo, são técnicos que afirmam ser inviável implementar boa parte dos dispositivos previstos nas leis, devido à própria arquitetura da internet. Finalmente, a coalizão também é integrada por empresas que teriam muito a perder caso tivessem de arcar com mais responsabilidades pelo conteúdo que trafega por seus sites – como Google, Twitter ou Facebook.
As críticas de fundo ideológico lembram a visão dos hobbistas dos tempos de Gates. Embora pareçam sedutoras, são ingênuas por ignorar que, sem incentivo para a produção de conteúdo original de qualidade, essa produção deixará de existir – e esse incentivo precisa incluir punições reais aos piratas. Parte das críticas de ordem técnica é pertinente, mas pode ser endereçada por meio de ne-gociações que estabeleçam punições tecnicamente viáveis.
Quanto à oposição das empresas do Vale do Silício, ela vem carregada de uma dose de cinismo. A indústria de software, como preconizava Gates, só se tornou pujante graças ao respeito à propriedade dos autores. As empresas digitais só investem bilhões em inovações porque têm certeza de que esses direitos serão respeitados. O mesmo deve valer para quem produz textos, sons, imagens ou ví-deos. Cabe aos autores, e a mais ninguém, decidir se seus conteúdos podem ser copiados livremente (muitas vezes, como mostra a própria indústria do software, isso pode até ser uma vantagem). Mas, com as leis empacadas no Congresso americano, quem continua hoje a ter essa prerrogativa, na prática, são os piratas.
Fonte : Revista Época - 30/01/2012
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