Trata-se do dinheiro da corrupção bloqueado fora do País. Desse
total, o governo só conseguiu repatriar US$ 5 milhões. E o Congresso
adia a votação de leis que podem mudar esse quadro
Nos últimos anos, autoridades policiais de diversos países
descobriram que a melhor maneira de combater o crime organizado era
atacando-o pelo bolso. No Brasil, porém, essa receita
não tem funcionado. Em dez anos, o Ministério da Justiça conseguiu
rastrear e bloquear US$ 3 bilhões (pouco mais de R$ 6 bilhões)
desviados para paraísos fiscais por sonegadores, traficantes e corruptos
em geral. Mas, dessa soma gigantesca, apenas US$ 5 milhões voltaram ao
erário – exíguos 0,16%. A explicação está diretamente ligada a uma
particularidade nacional: o Brasil é o único país do mundo onde há
quatro instâncias recursais. Na prática, uma sentença condenatória pode
demorar entre dez e 15 anos para ser executada pela Justiça
brasileira, o que impede a devolução desses valores.
Assim que é rastreado pelos agentes do Ministério da Justiça, o
dinheiro de origem ilícita fica parado em contas bancárias no Exterior à
espera de que o processo seja transitado em julgado aqui, ou seja,
aguarda até não caber mais recurso. Uma simples sentença condenatória
por tráfico de drogas de primeiro grau, por exemplo, pode ser executada
apenas depois de passar pelo Supremo Tribunal Federal,
o que pode demorar décadas. "O mais difícil não tem sido localizar
esses valores desviados, e sim repatriá-los, pois os países apenas
aceitam devolvê-los quando há sentenças definitivas por parte da Justiça
brasileira", afirma o delegado federal
Ricardo Saadi, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e
Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), responsável pelo bloqueio e
repatriação de ativos ilegais. Pelos acordos internacionais, Saadi é
obrigado a relatar periodicamente aos países onde se localizam as contas
bancárias bloqueadas o andamento dos processos penais no Brasil. "Só
quando há a percepção de que ações judiciais demoram em demasia para
chegar ao transitado em julgado, o dinheiro é desbloqueado", acrescenta
Saadi.
Em dois casos relacionados ao escândalo do Banestado, o dinheiro foi
recuperado a tempo. Em outra situação, o Ministério da Justiça
encontrou uma brecha legal para reaver, em setembro de 2010, duas obras
de arte pertencentes ao ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado
por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta por
conta da quebra do banco Santos. Havia um processo contra o
ex-banqueiro nos EUA. Avaliados à época em US$ 4 milhões, os quadros –
um do pintor americano Roy Lichtenstein e outro do uruguaio Torres
Garcia – foram desviados pelo ex-banqueiro para Nova York.
RASTREAMENTO
Segundo o delegado Ricardo Saadi, localizar os valores desviados é bem mais fácil do que recuperá-los.
A solução para tal impasse passa pela reforma do Código de Processo
Penal. "Há mais de um ano está parada uma proposta na Câmara, já
aprovada no Senado, esperando que o presidente Marco Maia nomeie a
comissão para apreciá-la", declarou à ISTOÉ o presidente da Associação
de Magistrados, desembargador Nelson Calandra. Uma outra solução
apontada por magistrados e promotores é a aprovação da PEC 15/2011, que
define a situação de transitado em julgado para um processo cuja
sentença tenha sido referendada em tribunal de segundo grau. O texto já
está há mais de seis meses para ser votado na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania. "Temos que acabar com essa indústria da
procrastinação das decisões judiciais no País", diz o vice-presidente
da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Victor Hugo
Palmeiro de Azevedo Neto. Enquanto isso, os corruptos agradecem.
Autor(es): Flávio Costa
Isto é - 11/06/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário