O Brasil, com suas dimensões continentais, é um “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, nos versos da composição de Jorge Ben Jor e Wilson Simonal. Seu povo sobreviveu às atrocidades cometidas durante a ditadura militar e à corrosão do período inflacionário, alçando o tão sonhado regime democrático e a estabilidade financeira.
Findo o regime autoritário, o parlamento aprovou nossa atual Carta Magna, em 05/10/1988. Foram muitos os inegáveis avanços, de todo gênero. Ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, seu artigo 5º enumera nada mais, nada menos que 78 incisos. Temos, sem dúvida, uma das constituições mais modernas do planeta.
Porém, tudo tem seu preço! Não estávamos preparados para tamanho avanço legal. Uma série de impropérios começaram a surgir, colocando o cidadão honesto e trabalhador à mercê dos desmandos de alguns membros dos três poderes, que legislam em causa própria, julgam sem a venda nos olhos e promovem a rapinagem dos cofres públicos.
Infelizmente, a independência entre os poderes tornou-se letra morta, sendo tão comuns as barganhas. Estas deixaram de ser veladas e estão escancaradas explicitamente, para quem quiser ver. Fatos desta envergadura comprometem a normalidade constitucional e abrem precedentes cujo alcance é inimaginável.
As consequências destas mazelas são patentes e atingem toda a sociedade. Em 2006, assistimos um verdadeiro filme de terror, com a onda de ataques promovida pela organização criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC), no estado de São Paulo. O saldo, amplamente divulgado pela imprensa, foi de quase duas centenas de vítimas, número maior do que aquele decorrente dos conflitos armados no Iraque e no Afeganistão, durante o mesmo período. Depois foi a vez do Rio de Janeiro: no mesmo ano de 2006, os ataques criminosos também vitimaram dezenas de pessoas.
Todos os problemas gerados pela sensação de abandono convergem para a violência e a criminalidade. Ao contrário do que muitos pensam, a solução dos problemas da segurança pública não está exclusivamente na alçada das instituições policiais. Trata-se de questão complexa e cujo caminho está intimamente ligado a mudanças legislativas e a investimentos em infra-estrutura e, sobretudo, em educação.
Nos últimos anos, o reconhecimento público do trabalho da Polícia Federal, constatado através de altos índices de aprovação nas pesquisas, certamente foi decorrente das investigações e ações de repressão aos crimes do “colarinho branco”, que levaram às barbas da Justiça muitos indivíduos que se consideravam e eram tratados como intocáveis.
Depois que autoridades de todas as instâncias e poderes, empresários poderosos, banqueiros e outros figurões se tornaram alvos da PF, montou-se uma verdadeira cruzada para frear as ações e “engessar” a atuação do órgão. A instituição foi acusada de se transformar em braço de coação e poder político de um dito “Estado policial paralelo”, a afrontar os outros poderes.
Foi nesse contexto que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou resolução que criou o sistema de monitoramento das escutas telefônicas, como se essas medidas já não fossem controladas pelos magistrados que as autorizavam. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante nº 11, que restringiu o uso de algemas a casos excepcionais, instrumento de segurança utilizado para condução de presos pelas polícias do mundo todo. Estas e outras medidas que vêm sendo tomadas servem unicamente para emperrar o trabalho das polícias.
A postura dos legisladores e juristas está na contramão da dura realidade nacional. Vive-se uma surreal inversão de valores, dando azo ao crescimento desenfreado das organizações criminosas. Para citar apenas um exemplo, enquanto milhares de brasileiros que trabalham na informalidade vivem sem receber um salário mínimo mensal (hoje de R$ 545,00), para o sustento de sua família, a Previdência Social paga um auxílio-reclusão aos dependentes do preso, que esteja sob regime fechado ou semi-aberto. Em caso de morte do detento, o benefício é convertido em pensão.
No último dia 4 de julho, entrou em vigor a Lei nº 12.403 - Lei das Cautelares, que fez alterações substanciais no Código de Processo Penal, relativas à prisão processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares contra suspeitos de crimes.
Na prática, a nova lei limita os casos das prisões cautelares (temporárias e preventivas) e abre precedentes para que dezenas de milhares de presos sejam postos em liberdade, mediante a imposição de limites e obrigações. Como a de se apresentar periodicamente perante o Juízo, permanecer em casa durante a noite ou em dias de folga, não frequentar determinados lugares ou manter contato com certas pessoas, ter suspenso o exercício de função pública ou da atividade econômica, internação provisória ou o monitoramento eletrônico.
A nova lei deve tirar milhares de presos da cadeia. Com isso, o país tenta resolver um problema crônico criando outro. É fato que não existe oferta de trabalho para atender a demanda de desempregados, que segundo o IBGE atinge 6,4% da população economicamente ativa.
As finalidades básicas da execução penal, estabelecidas no artigo 1º da LEP, são tanto o cumprimento efetivo da sentença condenatória quanto a recuperação do sentenciado e seu retorno à convivência social. É impossível promover a ressocialização de alguém num ambiente desumano. As conhecidas condições das prisões remontam às impressões do jurista italiano Cesare Beccaria, no final do século XVIII, registradas em sua célebre obra sobre os delitos e as penas, em relação às prisões medievais: “A aparência repugnante dos xadrezes e das masmorras, cujo horror é acrescido pelo suplício mais insuportável para os desgraçados, a incerteza”.
O problema das más condições das prisões não é “privilégio” brasileiro: é um drama mundial, para países pobres e ricos. Mas deixar de prender aqueles que cometem crimes ou, pior ainda, soltar aqueles que se encontram presos, não resolve a questão. O que a nova lei pretende, de fato, é reduzir a superlotação nos presídios e diminuir os gastos do governo. O déficit de vagas, já em 2008, era de 36%.
Uma estatística do “caos”, revelada pelo Ministério da Justiça, mostra através do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, com dados de 2009, que a população dos presídios era de 451 mil pessoas, 44% deles em prisão preventiva.
A reportagem ”O Brasil que não pune...”, publicada pela revista “Veja” (Aith, 2007, p. 46-47) trouxe outro dado assustador sobre o sistema prisional brasileiro. Segundo a matéria, embora as prisões já estejam lotadas, a maioria dos criminosos nem é investigada, presa ou condenada. Isso sem contar os mais de meio milhão de mandados de prisões expedidos pela Justiça, em todo o país, que não foram cumpridos. O número é maior que a atual população carcerária.
O avanço alarmante da criminalidade foi citado na matéria da “Veja” para questionar a eficácia da aplicação das penas alternativas para solucionar o problema da superpopulação do sistema prisional. De acordo com a reportagem, a maioria dos presidiários cometeu crimes graves, para os quais tais penas não seriam cabíveis.
Para o juiz federal no Piauí, Roberto Carvalho Veloso (2002), a sociedade brasileira está diante de um paradoxo: de um lado o aumento sistemático da violência, exigindo maior rigor no combate ao crime, e de outro lado, uma superpopulação carcerária que exige a adoção de medidas legislativas que possibilitem a abertura de vagas no sistema prisional, o que nem sempre é feito da maneira mais acertada.
Para Veloso, embora seja uma ilusão pensar que o aumento das penas será útil no combate ao crime, se faz necessária a adoção de medidas sérias, antes que a situação se agrave ainda mais. Fazendo alusão à construção do que chama de “uma legião de futuros marginais”, referindo-se aos menores de rua, assevera que a “segurança da população reside, no âmago, no enfrentamento dos problemas sociais e da impunidade”.
O estado democrático de direito só subsiste na frieza das páginas da Constituição Federal. O que temos hoje em nosso país é um estado falido, corrompido, onde os criminosos de dentro das prisões orquestram ataques simultâneos, ordenam assassinatos, roubos, sequestros e outros crimes.
Como não poderia deixar de ser, num país onde a impunidade reina, a nova Lei nº 12.403/11 se incumbe de mostrar aos criminosos que a ordem pública e a tão sonhada tranquilidade da sociedade tornaram-se utopia.
O caos está próximo e os alarmantes problemas já vivenciados pelo sofrido povo brasileiro, relacionados à segurança pública, está longe de um final feliz. A volta às ruas de milhares de criminosos sem garantia de emprego é algo real e perigoso. Sobretudo, em razão de um dado relevante do Infopen: a taxa de reincidência no Brasil é da ordem de 65% dos presos, estando esta diretamente ligada à dificuldade de reajustamento do egresso.
Mais uma vez somos levados a entender as razões da frase atribuída ao presidente francês, Charles de Gaulle, na década de 60: "O Brasil não é um país sério".
* José Ricardo Neves é Agente de Polícia Federal, bacharel em Direito com pós-graduação em Execução de Políticas de Segurança Pública. rickneves@hotmail.com
Findo o regime autoritário, o parlamento aprovou nossa atual Carta Magna, em 05/10/1988. Foram muitos os inegáveis avanços, de todo gênero. Ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, seu artigo 5º enumera nada mais, nada menos que 78 incisos. Temos, sem dúvida, uma das constituições mais modernas do planeta.
Porém, tudo tem seu preço! Não estávamos preparados para tamanho avanço legal. Uma série de impropérios começaram a surgir, colocando o cidadão honesto e trabalhador à mercê dos desmandos de alguns membros dos três poderes, que legislam em causa própria, julgam sem a venda nos olhos e promovem a rapinagem dos cofres públicos.
Infelizmente, a independência entre os poderes tornou-se letra morta, sendo tão comuns as barganhas. Estas deixaram de ser veladas e estão escancaradas explicitamente, para quem quiser ver. Fatos desta envergadura comprometem a normalidade constitucional e abrem precedentes cujo alcance é inimaginável.
As consequências destas mazelas são patentes e atingem toda a sociedade. Em 2006, assistimos um verdadeiro filme de terror, com a onda de ataques promovida pela organização criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC), no estado de São Paulo. O saldo, amplamente divulgado pela imprensa, foi de quase duas centenas de vítimas, número maior do que aquele decorrente dos conflitos armados no Iraque e no Afeganistão, durante o mesmo período. Depois foi a vez do Rio de Janeiro: no mesmo ano de 2006, os ataques criminosos também vitimaram dezenas de pessoas.
Todos os problemas gerados pela sensação de abandono convergem para a violência e a criminalidade. Ao contrário do que muitos pensam, a solução dos problemas da segurança pública não está exclusivamente na alçada das instituições policiais. Trata-se de questão complexa e cujo caminho está intimamente ligado a mudanças legislativas e a investimentos em infra-estrutura e, sobretudo, em educação.
Nos últimos anos, o reconhecimento público do trabalho da Polícia Federal, constatado através de altos índices de aprovação nas pesquisas, certamente foi decorrente das investigações e ações de repressão aos crimes do “colarinho branco”, que levaram às barbas da Justiça muitos indivíduos que se consideravam e eram tratados como intocáveis.
Depois que autoridades de todas as instâncias e poderes, empresários poderosos, banqueiros e outros figurões se tornaram alvos da PF, montou-se uma verdadeira cruzada para frear as ações e “engessar” a atuação do órgão. A instituição foi acusada de se transformar em braço de coação e poder político de um dito “Estado policial paralelo”, a afrontar os outros poderes.
Foi nesse contexto que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou resolução que criou o sistema de monitoramento das escutas telefônicas, como se essas medidas já não fossem controladas pelos magistrados que as autorizavam. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante nº 11, que restringiu o uso de algemas a casos excepcionais, instrumento de segurança utilizado para condução de presos pelas polícias do mundo todo. Estas e outras medidas que vêm sendo tomadas servem unicamente para emperrar o trabalho das polícias.
A postura dos legisladores e juristas está na contramão da dura realidade nacional. Vive-se uma surreal inversão de valores, dando azo ao crescimento desenfreado das organizações criminosas. Para citar apenas um exemplo, enquanto milhares de brasileiros que trabalham na informalidade vivem sem receber um salário mínimo mensal (hoje de R$ 545,00), para o sustento de sua família, a Previdência Social paga um auxílio-reclusão aos dependentes do preso, que esteja sob regime fechado ou semi-aberto. Em caso de morte do detento, o benefício é convertido em pensão.
No último dia 4 de julho, entrou em vigor a Lei nº 12.403 - Lei das Cautelares, que fez alterações substanciais no Código de Processo Penal, relativas à prisão processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares contra suspeitos de crimes.
Na prática, a nova lei limita os casos das prisões cautelares (temporárias e preventivas) e abre precedentes para que dezenas de milhares de presos sejam postos em liberdade, mediante a imposição de limites e obrigações. Como a de se apresentar periodicamente perante o Juízo, permanecer em casa durante a noite ou em dias de folga, não frequentar determinados lugares ou manter contato com certas pessoas, ter suspenso o exercício de função pública ou da atividade econômica, internação provisória ou o monitoramento eletrônico.
A nova lei deve tirar milhares de presos da cadeia. Com isso, o país tenta resolver um problema crônico criando outro. É fato que não existe oferta de trabalho para atender a demanda de desempregados, que segundo o IBGE atinge 6,4% da população economicamente ativa.
As finalidades básicas da execução penal, estabelecidas no artigo 1º da LEP, são tanto o cumprimento efetivo da sentença condenatória quanto a recuperação do sentenciado e seu retorno à convivência social. É impossível promover a ressocialização de alguém num ambiente desumano. As conhecidas condições das prisões remontam às impressões do jurista italiano Cesare Beccaria, no final do século XVIII, registradas em sua célebre obra sobre os delitos e as penas, em relação às prisões medievais: “A aparência repugnante dos xadrezes e das masmorras, cujo horror é acrescido pelo suplício mais insuportável para os desgraçados, a incerteza”.
O problema das más condições das prisões não é “privilégio” brasileiro: é um drama mundial, para países pobres e ricos. Mas deixar de prender aqueles que cometem crimes ou, pior ainda, soltar aqueles que se encontram presos, não resolve a questão. O que a nova lei pretende, de fato, é reduzir a superlotação nos presídios e diminuir os gastos do governo. O déficit de vagas, já em 2008, era de 36%.
Uma estatística do “caos”, revelada pelo Ministério da Justiça, mostra através do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, com dados de 2009, que a população dos presídios era de 451 mil pessoas, 44% deles em prisão preventiva.
A reportagem ”O Brasil que não pune...”, publicada pela revista “Veja” (Aith, 2007, p. 46-47) trouxe outro dado assustador sobre o sistema prisional brasileiro. Segundo a matéria, embora as prisões já estejam lotadas, a maioria dos criminosos nem é investigada, presa ou condenada. Isso sem contar os mais de meio milhão de mandados de prisões expedidos pela Justiça, em todo o país, que não foram cumpridos. O número é maior que a atual população carcerária.
O avanço alarmante da criminalidade foi citado na matéria da “Veja” para questionar a eficácia da aplicação das penas alternativas para solucionar o problema da superpopulação do sistema prisional. De acordo com a reportagem, a maioria dos presidiários cometeu crimes graves, para os quais tais penas não seriam cabíveis.
Para o juiz federal no Piauí, Roberto Carvalho Veloso (2002), a sociedade brasileira está diante de um paradoxo: de um lado o aumento sistemático da violência, exigindo maior rigor no combate ao crime, e de outro lado, uma superpopulação carcerária que exige a adoção de medidas legislativas que possibilitem a abertura de vagas no sistema prisional, o que nem sempre é feito da maneira mais acertada.
Para Veloso, embora seja uma ilusão pensar que o aumento das penas será útil no combate ao crime, se faz necessária a adoção de medidas sérias, antes que a situação se agrave ainda mais. Fazendo alusão à construção do que chama de “uma legião de futuros marginais”, referindo-se aos menores de rua, assevera que a “segurança da população reside, no âmago, no enfrentamento dos problemas sociais e da impunidade”.
O estado democrático de direito só subsiste na frieza das páginas da Constituição Federal. O que temos hoje em nosso país é um estado falido, corrompido, onde os criminosos de dentro das prisões orquestram ataques simultâneos, ordenam assassinatos, roubos, sequestros e outros crimes.
Como não poderia deixar de ser, num país onde a impunidade reina, a nova Lei nº 12.403/11 se incumbe de mostrar aos criminosos que a ordem pública e a tão sonhada tranquilidade da sociedade tornaram-se utopia.
O caos está próximo e os alarmantes problemas já vivenciados pelo sofrido povo brasileiro, relacionados à segurança pública, está longe de um final feliz. A volta às ruas de milhares de criminosos sem garantia de emprego é algo real e perigoso. Sobretudo, em razão de um dado relevante do Infopen: a taxa de reincidência no Brasil é da ordem de 65% dos presos, estando esta diretamente ligada à dificuldade de reajustamento do egresso.
Mais uma vez somos levados a entender as razões da frase atribuída ao presidente francês, Charles de Gaulle, na década de 60: "O Brasil não é um país sério".
* José Ricardo Neves é Agente de Polícia Federal, bacharel em Direito com pós-graduação em Execução de Políticas de Segurança Pública. rickneves@hotmail.com
Fonte: Agência Fenapef
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