Sabe-se que o sistema normativo processual penal brasileiro precisa, já há algum tempo, passar por uma reforma legislativa que lhe proporcione uma adaptação às diversas mudanças ocorridas nas últimas décadas em nosso país, tendo em vista que a reforma ocorrida no CPP no ano de 2008 com as Leis n. 11.689; 11.690 e 11.719 não contemplou alguns pontos importantes, principalmente na seara recursal e punitiva, tendo se limitado a modificar as partes referentes à produção de provas, procedimentos e tribunal do júri.
Contudo, é justamente o âmbito dos recursos, vistos como excessivos para muitos dos estudiosos da política criminal brasileira, que mais entrava o andamento célere e efetivo do processo penal. Com a atual sistemática, os defensores dos acusados nos processos criminais preferem muitas vezes se utilizarem das chamadas “brechas da lei”, que hoje são muitas, a se preocuparem com a defesa efetivamente de mérito dos réus. “Ou seja, em vez de procurar discutir se o réu é inocente ou culpado, muitas vezes vale mais a pena para a defesa criminal analisar as possibilidades de procrastinação do processo por meio dos diversos recursos disponíveis, segurando o andamento do feito até desencadear na chamada prescrição penal, que hoje já progrediu para se falar até na tese da prescrição virtual.
No intuito de modificar essas falhas e tornar o processo penal cada vez mais efetivo, aproximando-se do ideal de justiça exigido pelo Direito Penal pensado desde o século XVIII pelo italiano Cesare Beccaria, é que foi aprovado recentemente no Senado Federal o PLS n. 156/09 que modifica alguns pontos relevantes do Código de Processo Penal, seguindo agora para votação na Câmara dos Deputados e posterior sanção presidencial, com a intenção de entrar em vigor ainda no ano de 2011.
Dentre as principais mudanças constantes neste Projeto destacam-se as seguintes:
a) Limitação aos embargos declaratórios: os embargos declaratórios, não obstante sua grande importância para o processo penal e civil quando bem utilizados, hoje são vistos como um instrumento recursal que permite a fácil manipulação por parte dos Operadores do Direito que desejam postergar o andamento natural do processo. Os embargos, como se sabe, são utilizados para atacar uma decisão do Magistrado (algumas interlocutórias ou mesmo sentença e acórdão) com o objetivo de sanar omissões, contradições, dúvidas ou obscuridades contidas neste decisum e, ainda por cima, de propiciar o prequestionamento de matérias a serem levadas à apreciação do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Desta forma, por serem de fácil utilização, os embargos declaratórios muitas vezes são opostos sem a real necessidade procedimental, apenas com o intuito protelatório, uma vez que no atual ordenamento nacional não existe uma limitação para o seu uso. O Advogado de um réu pode, por exemplo, atacar uma sentença condenatória com dez embargos declaratórios seguidos, cada um atacando um ponto diferente da decisão e necessitando de um novo pronunciamento judicial, o que naturalmente demanda tempo para análise e solução por parte do Juiz, já abarrotado com outros processos.
Com a mudança que está por vir através do PLS n. 156/09 (reforma do CPP) os embargos declaratórios estariam limitados a apenas uma utilização em cada instância. Assim, utilizando-se o mesmo exemplo dado acima da sentença condenatória, seria possível que o Advogado do réu opusesse apenas um embargo declaratório contra esta sentença para atacar tudo que fosse possível, o que seria resolvido em apenas uma nova decisão do Juiz criminal, já exaurindo todo o feito nesta seara e atraindo a coisa julgada, caso não haja possibilidade de outros recursos.
b) Remessa do Inquérito Policial diretamente para o Ministério Público: outro ponto bastante interessante e de praticidade comprovada refere-se à remessa dos Inquéritos Policiais, quando concluídos, diretamente ao Ministério Público para que este possa oferecer a denúncia e, assim, iniciar o processo criminal.
Hoje, de acordo com o atual CPP em seu artigo 10, §1º, o Delegado ao concluir a peça investigatória e elaborar seu relatório deve enviá-lo para análise do magistrado que, só depois, o enviará para o órgão ministerial (MP) avaliar a viabilidade de oferecer denúncia. Ora, se é o próprio Ministério Público o titular da Ação Penal, competente para denunciar ou não o acusado de acordo com as provas colhidas e interpretadas pelo Promotor através do Inquérito Policial, por que ainda ter que enviar esses autos ao Juiz para só depois chegar ao titular do MP? Certamente este era um ponto do Código de Processo Penal que não trazia sentido lógico, nem tão pouco prático, uma vez que só corroborava com a burocracia e a perda de tempo.
Enfim, com a mudança do CPP vindoura, os autos do Inquérito poderão ser imediatamente encaminhados pelo Delegado de Polícia ao Ministério Público, facilitando sua apreciação e realização da denúncia, contribuindo, assim, com o próprio desafogamento do Poder Judiciário.
c) Fim da prisão especial para portadores de curso superior: no Brasil já estava se tornando cultural a ideia de impunidade para os portadores de curso superior, haja vista que eles possuem direito à prisão especial quando recolhidos provisoriamente. Tal distinção de tratamento entre diplomados e não diplomados, a nosso ver, já não encontra guarida desde 1988 quando a atual Constituição da República Federativa do Brasil passou a tratar todos os brasileiros de forma igualitária, não tendo assim este dispositivo de lei sido recepcionado pelo novo ordenamento constitucional. Todavia, uma vez que está prevista no CPP, a prisão especial ainda é corriqueiramente utilizada, beneficiando os portadores de diploma universitário e passando para eles e para a população em geral uma sensação de impunidade e grande discriminação.
Com a reforma a ser implementada, essa falha também será corrigida e a prisão especial prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal não mais existirá.
Esses são alguns pontos escolhidos, dentre os vários existentes, para destacar a nova reforma do Código de Processo Penal que está por vir, demonstrando sua louvável intenção de agilizar o procedimento criminal acusatório, efetivar as punições e modificar alguns pontos ultrapassados, como o caso da prisão especial, tornando o sistema penal como um todo mais justo, célere e inteligente.
Espera-se, assim, que as mudanças não parem por aí e prossigam no intuito de acompanhar a rápida evolução da sociedade moderna, buscando sempre aliar a celeridade com o devido processo legal, valores indispensáveis para o reconhecimento e respeito aos Direitos Humanos.
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