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terça-feira, 24 de abril de 2012

Enriquecimento ilícito de servidor pode virar crime

O ministro Gilson Dipp e o procurador Luiz Carlos Gonçalves: trabalhos da comissão que prepara o anteprojeto do novo Código Penal avançam

Crime valeria para o servidor público que acumulasse patrimônio incompatível com sua renda; proposta foi feita pela comissão de juristas que trabalha no novo Código Penal
O crime de enriquecimento ilícito poderá ser incluído na legislação penal para punir servidores públicos que acumularem patrimônio incompatível com sua remuneração e suas fontes de renda.
Depois de um intenso debate ontem, a comissão especial de juristas instituída pelo Senado para apresentar o anteprojeto de um novo Código Penal decidiu tipificar esse delito e sugerir como pena de 1 a 5 anos de reclusão, além do confisco dos bens e valores.
— É um momento histórico na luta contra a corrupção no Brasil: criminalizamos a conduta do funcionário público que enrique sem que se saiba como, aquele que entra pobre e sai rico. Agora temos um tipo penal esperando por ele — disse o relator da comissão, procurador Luiz Carlos Gonçalves.
Para ele, o país precisa ter esse crime em suas leis para avançar no combate à corrupção, atendendo a um “clamor social”. Conforme disse, é uma forma de punir o servidor com patrimônio incompatível com o que ganha, já que o crime anterior — a corrupção — ficou fora do alcance da lei.
— A corrupção é um crime que acontece às escondidas, nos corredores mal iluminados. Quem compra um funcionário público e quem se deixa comprar não quer contar para ninguém — argumentou.

Tratados

Como previsto pela comissão, a pena para enriquecimento ilícito será aumentada, da metade do tempo a dois terços, quando o autor do crime usar nome de terceira pessoa para esconder os bens ou valores obtidos de forma criminosa. Ou seja, pegará pena maior quem usar um “laranja” para ocultar patrimônio obtido de forma ilícita.
O crime inclui até mesmo quem exerce atividade de forma temporária ou cargo eletivo.
Assim que o debate foi iniciado, a inovação foi defendida pelo presidente da comissão, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp.
O ministro salientou que o crime de enriquecimento ilícito é previsto em convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a corrupção. Gilson Dipp lembrou que também há um tratado na Organização dos Estados Americanos (OEA).
— Temos que dar efetividade aos tratados e convenções internacionais — disse o ministro, salientando que os protocolos foram ratificados pelo Congresso Nacional, contando com força de lei.

Polêmica

O advogado Nabor Bulhões foi quem mais resistiu à inclusão do novo tipo pena na legislação brasileira. Conforme Bulhões, a doutrina jurídica não comporta a conduta agora sugerida: o enriquecimento ilícito seria a consequência material de crime anterior (por exemplo, a corrupção). Portanto, o novo tipo seria uma distorção, podendo ser definido como “crime de mera suspeita”.
— O enriquecimento ilícito é o resultado de um crime, e não um crime em si —argumentou.
Bulhões disse que teve o cuidado de examinar a legislação de diferentes nações, tendo comprovado que nenhum país da Comunidade Europeia tipificou esse crime. Conforme o advogado, os Estados Unidos e o Canadá assumiram a mesma conduta.
O ministro Dipp, por sua vez, observou que praticamente todos os países latino-americanos já têm o novo tipo penal. A seu ver, nada impede o Brasil de seguir o mesmo caminho.
— É uma opção política do legislador — opinou.
No processo, o ônus da prova será da acusação e a denúncia deverá ser feita via representação do Ministério Público. Manter inalterado o ônus da prova foi um ponto defendido por alguns debatedores como garantia para evitar acusações infundadas.
A redação para definir o novo tipo também exigiu cuidadosa negociação, para evitar situações arbitrárias.

Corrupção ativa

Outra medida aprovada foi o fim da distinção entre os crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos (corrupção passiva) e aqueles cometidos por particulares (corrupção ativa). A medida foi proposta por Luiz Carlos Gonçalves, para quem tal distinção “é uma tradição que mais atrapalha do que ajuda”. Ao apoiar a inclusão desse item, Luiz Flávio Gomes disse que o fim da distinção tornaria mais fácil o entendimento e a aplicação da lei. Luiza Nagib Eluf, por outro lado, afirmou que a mudança pode levar a confusões.

Fonte - Jornal do Senado Federal

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